sábado, 4 de outubro de 2025

Inovação Pedagógica e Formação Docente na Era Digital: Um Olhar Comparativo entre Portugal e Brasil


Introdução: Convergências e Divergências num Cenário Globalizado

A contemporaneidade educativa lusófona experimenta transformações profundas que transcendem as fronteiras nacionais, inscrevendo-se numa agenda global neoliberal orquestrada por organismos supranacionais como a OCDE e a União Europeia (Ferreira et al., 2025; Silva et al., 2024). Portugal e Brasil, unidos pela língua e por laços históricos, enfrentam desafios semelhantes mas contextualmente distintos no que concerne à inovação pedagógica, à formação de professores, à integração de tecnologias emergentes com inteligência artificial, aos estudos ciborgues, à investigação etnográfica em educação e às questões de género e diversidade.

Este texto propõe-se analisar, numa perspetiva comparativa e crítica, o panorama educacional contemporâneo destes dois países, evidenciando as convergências nas políticas educativas globalizadas e as especificidades que emergem dos distintos contextos socioculturais, políticos e económicos. A análise aqui desenvolvida ancora-se numa compreensão complexa dos sistemas educativos como ecossistemas adaptativos, onde múltiplas forças, atores e discursos se entrecruzam na produção de sentidos sobre o que significa educar no século XXI.

Formação de Professores: Entre a Profissionalização e a Precarização

A formação inicial de professores constitui um território de intensas disputas epistémicas e políticas em ambos os países. Portugal, após a implementação do Processo de Bolonha, adotou um modelo de formação em dois ciclos (licenciatura e mestrado), sendo o grau de mestre em ensino condição indispensável para o exercício da docência (Decreto-Lei n.º 79/2014). Esta arquitetura formativa, que visa garantir elevados padrões de qualificação profissional, tem sido progressivamente tensionada por medidas excecionais destinadas a combater a escassez de docentes, incluindo cursos de formação pedagógica acelerados em regime de ensino a distância (Decreto-Lei n.º 51/2024).

No Brasil, o cenário revela-se igualmente paradoxal. Se, por um lado, a Resolução CNE/CP nº 2/2015 representou um avanço significativo, fruto de amplo processo participativo e com aprovação expressiva das associações educacionais (Anfope, Anped, Anpae), por outro, a sua revogação pela Resolução CNE/CP nº 4/2024 sinaliza um retrocesso na direção de uma formação tecnicista, instrumental e subordinada às competências e habilidades preconizadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Ferreira et al., 2025). Esta oscilação normativa evidencia a fragilidade das conquistas democráticas num contexto de governamentalidade neoliberal que instrumentaliza a educação segundo lógicas mercadológicas.

Ambos os países assistem, ainda, ao avanço de redes globais como a Teach For All, que promovem programas de formação acelerada apresentados como "Programas de Desenvolvimento de Liderança", aproveitando-se da escassez docente para consolidar modelos de profissionalização desprofissionalizantes, que fragilizam a complexidade epistémica da docência (Ferreira et al., 2025). Esta convergência revela a força homogeneizadora das agendas educativas globais e a necessidade urgente de resistências localizadas que reafirmem a docência como práxis intelectual, ética e política.

Inteligência Artificial na Educação: Promessas, Riscos e Desafios Éticos

A integração da inteligência artificial nos sistemas educativos constitui, simultaneamente, uma oportunidade e um campo de tensões éticas e pedagógicas. A UNESCO, ao dedicar o Dia Internacional da Educação 2025 à IA, enfatizou a necessidade de investimento maciço na formação de professores e estudantes sobre o uso responsável desta tecnologia, alertando que apenas sete países haviam desenvolvido, até 2022, diretrizes ou programas de IA para professores (UNESCO, 2025).

Portugal tem desenvolvido esforços significativos neste domínio. O Plano de Capacitação Digital de Docentes, apoiado por fundos da UE (FSE+ e MRR), já formou cerca de 73.000 docentes em competências digitais, utilizando a ferramenta Selfie para diagnóstico de proficiência digital (Comissão Europeia, 2024). Adicionalmente, o curso MOOC "A Inteligência Artificial vai Transformar a Escola", promovido pela Direção-Geral da Educação (DGE), tem-se centrado nas questões éticas e humanas relacionadas com a IA em contexto educativo, promovendo uma abordagem crítica e reflexiva (NAU, 2024).

No Brasil, o Ministério da Educação (MEC) tem implementado diversas iniciativas. O programa Escolas Conectadas, através do Laboratório de Criatividade e Inovação para a Educação Básica (Labcrie), formou 65.000 profissionais da educação básica com ênfase em cultura e competências digitais (MEC, 2024). Adicionalmente, a CAPES lançou o Edital InovaEDUCAÇÃO (Edital nº 3/2025), destinando até 80.000 reais por projeto para soluções tecnológicas inovadoras em IA aplicadas à educação, abrangendo desde plataformas de aprendizado até sistemas de tutoria inteligente (CAPES, 2025).

Contudo, a investigação do Instituto Semesp (2024) revela dados preocupantes: embora 74,8% dos professores brasileiros concordem com o uso de tecnologia e IA no ensino, apenas 39,2% as utilizam efetivamente como ferramenta pedagógica, citando problemas estruturais como falta de internet, ausência de formação adequada e dificuldades em captar a atenção dos estudantes (Instituto Semesp, 2024). Esta contradição evidencia o fosso entre discursos político-normativos e práticas pedagógicas efetivas, sugerindo que a mera disponibilização de tecnologia não garante transformação educativa sem condições materiais, formativas e epistemológicas adequadas.

A questão ética emerge como central. O Marco Referencial de Competências em IA para Professores da UNESCO (2024), traduzido para português em 2025, alerta que sem professores criticamente preparados, a IA pode intensificar desigualdades, fragilizar o pensamento crítico e reduzir o ato educativo a processos automatizados e opacos (UNESCO, 2024). Este reconhecimento aponta para a necessidade de uma pedagogia crítica da IA, que não a celebre acriticamente mas que interrogue as suas implicações políticas, epistemológicas e sociais.

Estudos Ciborgues e a Dissolução de Fronteiras Ontológicas

A obra de Donna Haraway, particularmente o "Manifesto Ciborgue" (1985), tem exercido influência crescente nos estudos educacionais em ambos os países, oferecendo ferramentas conceptuais para pensar a educação contemporânea marcada pela hibridação entre natureza e cultura, humano e tecnológico, orgânico e inorgânico (Haraway, 2000). Em Portugal, a tradução de "Um Manifesto Ciborgue" pela Orfeu Negro (2022) reavivou o debate académico sobre ciberfeminismo e tecnociência, interpelando as divisões normalizadoras do saber académico (Miranda, prefácio em Haraway, 2022).

No Brasil, a teoria ciborgue de Haraway tem sido mobilizada em múltiplos campos. Na psicologia, investigadoras têm desenvolvido o conceito de "feminismos ciborgues em cama de gato" como operador metodológico para pensar práticas tecnocientíficas de fabulação e saberes localizados nas universidades, fraturando a ciência institucionalizada de base masculinista (Zanello et al., 2021). Esta apropriação criativa dos conceitos harawaydianos exemplifica como a teoria ciborgue pode funcionar como ferramenta de resistência epistémica contra formas hegemónicas de produção de conhecimento.

A proposta de Haraway de "saberes localizados" (1988) – que rejeita o "truque de deus" da omnisciência e afirma a parcialidade e corporificação de todo conhecimento – revela-se particularmente pertinente para repensar a formação de professores e as práticas investigativas em educação (Haraway, 2009). Ao reconhecer que todo olhar é situado, que toda visão é parcial, a epistemologia harawaydiana convida-nos a uma ciência responsável, que assume as suas localizações e parcialidades em vez de as ocultar sob discursos de neutralidade e objetividade.

A metáfora do ciborgue – figura liminar que habita fronteiras entre categorias (humano/máquina, natural/artificial, físico/digital) – oferece potencialidades para pensar a condição docente contemporânea, cada vez mais mediada por tecnologias digitais, plataformas de ensino online e dispositivos algorítmicos. Os professores da era digital são, neste sentido, ciborgues: seres híbridos cujas práticas pedagógicas são inextricavelmente entrelaçadas com artefactos tecnológicos. Esta constatação não celebra acriticamente a tecnologização da educação, mas reconhece-a como condição ontológica contemporânea que exige reflexão crítica e política.

Etnografia na Educação: Olhares Situados sobre Culturas Escolares

A etnografia, enquanto metodologia originária da antropologia, tem sido crescentemente mobilizada na investigação educacional em ambos os países, embora não sem tensões e apropriações problemáticas. No Brasil, investigadores como André (2000), Fonseca (1999) e Mattos (2011) têm alertado para o risco do "simulacro da abordagem etnográfica", evidenciando que muitas pesquisas denominadas etnográficas carecem de fundamentação teórica sólida, revelam desconhecimento dos princípios básicos da etnografia e substituem a descrição densa por mera descrição detalhada (Tosta, 2008).

Em Portugal, académicos como Ricardo Vieira (2003, 2018) e Ana Benavente têm desenvolvido trabalhos que articulam rigorosamente etnografia, histórias de vida e análise de representações e práticas docentes, evidenciando como a abordagem etnográfica pode aceder compreensivamente à dimensão interior da escola, construindo com os sujeitos sentidos e significados frequentemente negligenciados por abordagens sistémicas (Vieira & Vieira, 2018).

A transposição da etnografia da antropologia para a educação implica desafios epistemológicos e metodológicos substantivos. Como alerta Clifford Geertz (1989), a descrição densa não consiste em descrever minúcias, mas em situar a descrição na teia simbólica em que os factos se inscrevem, interpretando os significados que as ações têm para os próprios atores. Esta exigência requer trabalho de campo prolongado, imersão profunda, reflexividade crítica e competência teórica – requisitos nem sempre observados em investigações que se autoproclamam etnográficas.

A etnografia educacional, quando rigorosamente praticada, oferece potencialidades únicas para compreender as culturas escolares, os quotidianos pedagógicos, as micropolíticas institucionais e os processos de construção de identidades docentes e discentes. Num contexto de crescente instrumentalização da investigação educacional segundo lógicas evidencialistas e quantitativistas, a etnografia representa uma forma de resistência metodológica que reafirma a irredutibilidade da experiência humana a variáveis quantificáveis e a importância da compreensão interpretativa.

Género, Diversidade Sexual e Educação: Avanços, Retrocessos e Resistências

As questões de género e diversidade sexual constituem terrenos de intensas disputas políticas e culturais em ambos os países, com implicações diretas para as políticas e práticas educativas. Em Portugal, o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente (ICOT) do INE (2023) revelou desigualdades étnico-raciais expressivas: a população que se identifica como cigana apresenta cerca de 26 vezes menos escolarização no ensino superior comparativamente à população branca, enquanto a população negra apresenta proporções duas vezes inferiores (INE, 2023). Estas disparidades evidenciam como marcadores de raça, etnicidade e classe se interseccionam na produção de desigualdades educacionais.

Relativamente à população LGBTI+, o Estudo Nacional sobre o Ambiente Educacional (ENAE) de 2017 demonstrou que apenas um em cada dez jovens LGBTI+ entre os 15 e os 17 anos se sentia muito aberto sobre a sua orientação sexual e identidade de género na escola, enquanto cerca de dois terços reportaram experiências de discriminação em contexto escolar (rede ex aequo, 2017, citado em CIG, 2022). Estes dados, corroborados pelo inquérito da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA, 2020), revelam que os ambientes escolares portugueses permanecem hostis para estudantes LGBTI+.

No Brasil, o cenário é igualmente preocupante. A Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional (2016) evidenciou que 73% de estudantes LGBT foram agredidos verbalmente e 36% fisicamente, com muitos relatando pensamentos suicidas decorrentes das agressões sofridas (ABGLT, 2016). Dados mais recentes indicam que 25,5% de pessoas travestigéneres abandonaram a escola antes de concluir o ensino médio, comparativamente a 8% entre pessoas não trans (Agência Brasil, 2024).

As políticas públicas têm oscilado entre avanços e retrocessos. No Brasil, após a criação da Secretaria Nacional LGBTQIA+ (2023) e a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, houve expectativa de implementação efetiva de políticas educacionais inclusivas. Contudo, especialistas como Marco Prado e Janaina Oliveira apontam que o Ministério da Educação tem "patinado" nestas questões, oferecendo respostas "tecnocratas e sem sentido", insuficientes para enfrentar as violências de género e sexualidade nas escolas (Brasil de Direitos, 2024).

Paradoxalmente, investigação da Ação Educativa (2022) revelou que 82% da população brasileira entende que as escolas devem promover o direito de as pessoas viverem livremente a sua sexualidade, evidenciando um descompasso entre o apoio social e a implementação de políticas públicas (Ação Educativa, 2022). Este fosso sugere que o silenciamento das questões de género e sexualidade nas escolas resulta menos de rejeição social e mais de ofensivas ultraconservadoras articuladas em torno do pânico moral da "ideologia de género".

Em Portugal, apesar de avanços legislativos como a Lei de Identidade de Género (2018) e políticas de combate à discriminação, persistem desafios substantivos. O Boletim Estatístico de Igualdade de Género 2024 evidencia que, embora as mulheres sejam maioria na docência até ao ensino secundário (99% na educação pré-escolar), permanecem sub-representadas nas categorias superiores da carreira docente universitária (CIG, 2024). Esta segregação vertical por género reflete persistências de estruturas patriarcais que condicionam os percursos profissionais femininos.

Conclusão: Resistências Criativas num Tempo Reacionário

O panorama comparativo aqui esboçado revela que Portugal e Brasil, não obstante as suas especificidades contextuais, enfrentam desafios convergentes: a tensão entre profissionalização e precarização docente, a ambivalência das tecnologias com IA, a necessidade de epistemologias situadas e críticas, a persistência de desigualdades interseccionais e a urgência de políticas educativas verdadeiramente inclusivas.

A obra de Donna Haraway, as abordagens etnográficas críticas e os estudos sobre género e diversidade oferecem-nos ferramentas conceptuais e metodológicas para resistir às tendências homogeneizadoras, instrumentalizadoras e despolitizadoras que caracterizam as políticas educativas neoliberais. Como alerta Freire (1996), "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção" (p. 47). Esta pedagogia da autonomia exige de nós, educadores e investigadores, a coragem de habitar as fronteiras, de assumir as nossas parcialidades, de praticar saberes localizados e de construir, quotidianamente, resistências criativas.

Num tempo marcado por avanços do ultraconservadorismo, pela instrumentalização neoliberal da educação e pelas incertezas da transição digital, urge reafirmar a educação como prática de liberdade, como espaço de construção de futuros possíveis, como território de resistência epistémica e política. Portugal e Brasil, nas suas diferenças e convergências, podem aprender mutuamente, tecendo redes de solidariedade lusófona que fortaleçam lutas comuns por educações públicas, democráticas, críticas e verdadeiramente inclusivas.


Referências

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. (2016). Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016. https://www.abglt.org/

Ação Educativa, Cenpec, & Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação. (2022). Educação, Direitos e Valores.

Agência Brasil. (2024, maio 17). Escolas são importantes no combate à LGBTfobia, defendem especialistas. https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-05/escolas-sao-importantes-no-combate-lgbtfobia-defendem-especialistas

André, M. E. (2000). Etnografia da Prática Escolar. Papirus.

Brasil de Direitos. (2024, abril 12). MEC teme ensino de género e diversidade sexual nas escolas, dizem especialistas. https://www.brasildedireitos.org.br/

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. (2025, março 20). CAPES selecionará até 30 projetos sobre IA e educação. https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/capes-selecionara-ate-30-projetos-sobre-ia-e-educacao

CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. (2022). Estudo nacional sobre necessidades das pessoas LGBTI e sobre a discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais. https://www.cig.gov.pt/

CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. (2024). Igualdade de Género em Portugal: Boletim Estatístico 2024. https://www.cig.gov.pt/

Comissão Europeia. (2024). Portugal - Education and Training Monitor 2024. https://op.europa.eu/webpub/eac/education-and-training-monitor/pt/country-reports/portugal.html

Decreto-Lei n.º 51/2024, de 28 de agosto. Diário da República n.º 167/2024, Série I. https://diariodarepublica.pt/

Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio. Diário da República n.º 92/2014, Série I. https://diariodarepublica.pt/

Ferreira, F. I., Silva, M. A., & Almeida, L. A. (2025). Formação inicial de professores no Brasil, em Portugal e na Europa (2014-2024): O avanço da privatização a pretexto da escassez de docentes. Revista Educação e Políticas em Debate, 14(2), 1-23. https://doi.org/10.14393/REPOD-v14n2a2025-78432

Fonseca, C. (1999). Quando cada caso NÃO é um caso: Pesquisa etnográfica e educação. Revista Brasileira de Educação, 10, 58-78.

FRA – Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia. (2020). A long way to go for LGBTI equality. https://fra.europa.eu/

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra.

Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. LTC.

Haraway, D. (2000). Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In T. Tadeu (Org.), Antropologia do ciborgue: As vertigens do pós-humano (pp. 37-129). Autêntica. (Trabalho original publicado em 1985)

Haraway, D. (2009). Saberes localizados: A questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, 5, 7-41. (Trabalho original publicado em 1988)

Haraway, D. (2022). Um Manifesto Ciborgue. Orfeu Negro.

INE – Instituto Nacional de Estatística. (2023). Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente (ICOT). https://www.ine.pt/

Instituto Semesp. (2024). Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil. https://www.semesp.org.br/

Mattos, C. L. G. (2011). A abordagem etnográfica na investigação científica. In C. L. G. Mattos & P. A. Castro (Orgs.), Etnografia e educação: Conceitos e usos (pp. 49-83). EDUEPB.

MEC – Ministério da Educação. (2024, outubro 16). Conheça as ações do MEC para formação e valorização docente. https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/outubro/conheca-as-acoes-do-mec-para-formacao-e-valorizacao-docente

NAU. (2024). A Inteligência Artificial vai Transformar a Escola - Curso. https://www.nau.edu.pt/pt/curso/a-inteligencia-artificial-vai-transformar-a-escola/

Silva, M. A., Almeida, L. A., & Marinho, P. (2024). Profissionalização docente e projetos em disputa na formação inicial de professores no Brasil: Na complexa teia da globalização e do neoliberalismo. Educação, Sociedade & Culturas, 67, 1-18. https://doi.org/10.24840/esc.vi67.782

Tosta, S. P. (2008). Etnografia: Um olhar metodológico para a pesquisa em educação. EdUEMG.

UNESCO. (2024). AI Competency Framework for Teachers. UNESCO Publishing.

UNESCO. (2025, janeiro 21). UNESCO dedica o Dia Internacional da Educação 2025 à inteligência artificial. https://www.unesco.org/pt/articles/unesco-dedica-o-dia-internacional-da-educacao-2025-inteligencia-artificial

Vieira, R. (2003). Vidas revividas: Etnografia, biografias e a descoberta de novos sentidos. In T. Caria (Org.), Metodologias Etnográficas em Ciências Sociais (pp. 77-96). Afrontamento.

Vieira, A., & Vieira, R. (2018). Entrando no Interior da Escola: Etnografia e entrevistas etnográficas. Revista Contemporânea de Educação, 13(26), 15-33. https://doi.org/10.20500/rce.v13i26.14641

Zanello, V., Silva, L. C., & Henderson, G. (2021). Feminismos ciborgues em uma cama de gato, ciência e saberes coletivos universitários de mulheres. Psicologia USP, 32(3), 1-15.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Arquitectura educacional para Ambientes de Aprendizagem Emergentes (4/9/2025)

A Cartografia dos Espaços de Formação


Contexto Epistemológico

A investigação em arquitectura educacional encontra-se numa encruzilhada paradigmática. A  tríade humano-IA-humano reconfigura fundamentalmente os pressupostos espaciais da educação formal, exigindo novas competências dos profissionais que concebem estes espaços. A cognição distribuída que caracteriza os ambientes de aprendizagem contemporâneos (Hutchins, 2020) desafia as concepções arquitectónicas tradicionais, promovendo o que poderíamos denominar de "arquitectura rizomática" (Deleuze & Guattari, 2020).


Programas de Pós-Doutoramento Identificados

1. Portugal

Universidade de Lisboa - Faculdade de Arquitetura (FA.ULisboa)

  • Perfil de especialização: "Arquitetura, Interiores e Reabilitação do Edificado"
  • Relevância crítica: A FA.ULisboa, posicionada entre as 12 melhores universidades do mundo em Arquitetura pelo ranking SCImago, oferece uma perspectiva que integra património e inovação. Contudo, a abordagem permanece ainda centrada em paradigmas antropocêntricos
  • Lacunas identificadas: Ausência explícita de formação em ambientes mediados por IA

Universidade de Évora - Instituto de Investigação e Formação Avançada (IIFA)

  • Doutoramento em Arquitetura: Integra prática projetual como investigação avançada
  • Potencialidades: Ambiente internacional que poderia acolher investigação sobre hibridização espacial
  • Limitações: Foco tradicionalmente centrado em arquitectura patrimonial

Universidade Lusíada do Porto

  • Especialização: Arquitetura e Sustentabilidade
  • Investigador de referência: Bruno Gomes Marques (pós-doutoramento no Construct-FEUP)
  • Contribuição: Integração de "tecnologias emergentes" e processos colaborativos

2. Contexto Internacional Emergente

MIT (Estados Unidos)

  • Educational Transformation through Technology - Learning Spaces
  • Princípios orientadores (Bill Mitchell): Cinco diretrizes para renovação de ambientes educacionais
  • Crítica: Abordagem ainda tecnocentrada, sem integração profunda das epistemologias híbridas

University of British Columbia (Canadá)

  • UBC Learning Space Design Guidelines
  • Irving K. Barber Learning Centre: Modelo pioneiro de flexibilidade espacial
  • Inovação: Integração de espaços formais e informais numa ecologia de aprendizagem
  • Limitação: Ausência de formação específica para profissionais externos


Cursos Breves e Especializações Identificadas

EDspaces Conference (Columbus, Ohio, 2025)

  • Datas: 5-7 de novembro de 2025
  • Especialidade: "Designed Learning Spaces" - ambientes educacionais inovadores
  • Forças: Integração arquiteto-educador, experiências práticas
  • Fragilidades: Perspectiva predominantemente norte-americana

Thinkspace Architecture (Canadá)

  • Foco: Princípios de aprendizagem do século XXI
  • Elementos-chave: Flexibilidade, adaptabilidade, transparência
  • Contribuição: Integração de diversidade cultural (exemplo: Escola Elementar SĆIȺNEW̱ SṮEȽIṮḴEȽ)


Lacunas Críticas Identificadas

1. Ausência de Formação Pós-Antropocêntrica

Os programas identificados permanecem ancorados em concepções humanistas tradicionais, não integrando as perspectivas pós-humanistas essenciais para os ambientes híbridos contemporâneos (Braidotti, 2022; Haraway, 2021).

2. Desconexão das Epistemologias da Complexidade

Falta integração dos princípios de Edgar Morin sobre pensamento complexo aplicado ao design espacial, particularmente relevantes para ambientes onde emerge a "cognição distribuída" (Morin, 2021).

3. Limitada Abordagem Etnográfica

Ausência de formação em metodologias etnográficas para compreensão dos usos emergentes dos espaços, metodologia fundamental no trabalho de Brazão (2024).


Recomendações para Desenvolvimento Futuro

Programa Emergente Sugerido: "Arquitectura Pós-Humanista para Ecologias de Aprendizagem"

Módulo I: Epistemologias Híbridas

  • Cognição distribuída (Hutchins, 2020)
  • Pensamento complexo (Morin, 2021)
  • Identidades ciborgue (Haraway, 2021)

Módulo II: Metodologias Etnográficas Aplicadas

  • Observação participante em ambientes híbridos
  • Análise de interações humano-IA-espaço
  • Cartografias dinâmicas de conhecimento

Módulo III: Design Rizomático

  • Espacialidades não-hierárquicas
  • Interfaces adaptativas
  • Arquitectura responsiva às emergências


Considerações Éticas e Reflexividade 

Este mapeamento revela uma significativa lacuna entre as necessidades formativas emergentes e a oferta educacional existente. Como argumenta Biesta (2022), a "learnification" dos espaços educacionais ignora as dimensões de socialização e subjetivação, particularmente relevantes nos contextos híbridos contemporâneos.

A transparência algorítmica desta análise exige reconhecer que a pesquisa foi limitada por critérios linguísticos (predominância anglo-saxónica) e geográficos (concentração no hemisfério norte). Uma cartografia verdadeiramente rizomática exigiria integração de perspectivas do Sul Global, particularmente relevantes para contextos de inovação pedagógica disruptiva.


Conclusões

A formação em arquitectura interior para ambientes de aprendizagem emergentes encontra-se numa fase de transição paradigmática. Os programas identificados, embora relevantes, não respondem adequadamente às exigências epistemológicas da cognição distribuída e da hibridização humano-IA que caracteriza os espaços educacionais contemporâneos.

O desenvolvimento de programas formativos que integrem as perspectivas da inovação pedagógica, das metodologias etnográficas e das epistemologias pós-humanistas constitui uma necessidade urgente para profissionais que pretendem conceber espaços verdadeiramente alinhados com as ecologias de aprendizagem emergentes.


Referências

Biesta, G. (2022). World-centered education: A view for the present. Routledge.

Braidotti, R. (2022). Posthuman feminism and the politics of knowledge. Theory, Culture & Society, 39(2), 121-137.

Brazão, P., & Tinoca, L. (2024). A evolução do questionamento crítico nos processos dialógicos com IA: Uma pesquisa em contexto universitário. SciELO Preprintshttps://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.9566

Deleuze, G., & Guattari, F. (2020). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (3ª ed.). Editora 34.

Haraway, D. J. (2021). Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. Autêntica.

Hutchins, E. (2020). Cognition in the wild (2nd ed.). MIT Press.

Morin, E. (2021). O método 6: Ética (5ª ed.). Sulina.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Os Ambientes de Aprendizagem Emergentes

Os Sistemas Adaptativos na Era Digital


Paulo Brazão em trabalho dialógico com Manus AI



Introdução

O panorama educacional contemporâneo assiste à ascensão de ecossistemas de aprendizagem que transcendem as fronteiras da sala de aula tradicional. Os ambientes de aprendizagem emergentes configuram-se como sistemas adaptativos, complexos e dinâmicos, auto-organizados em resposta às necessidades emergentes dos aprendizes. Esta visão, alicerçada nos princípios da teoria da complexidade e do conectivismo, entende que a aprendizagem ocorre não em processo linear e previsível, mas numa rede de interações contínuas.


Edgar Morin (1990) alertou para a necessidade de um "pensamento complexo" capaz de lidar com a incerteza e a interconexão, um princípio que os novos ambientes materializam [1]: ajustam-se e evoluem em tempo real, são moldados pelas interações e pelo fluxo de conhecimento que neles circula; refletem a própria natureza da sociedade digital. Esta capacidade de adaptação contínua representa uma mudança paradigmática fundamental na forma como conceptualizamos os espaços educativos.


Esta dinâmica consolida a inovação pedagógica numa rutura com paradigmas educativos tradicionais. Emerge uma abordagem conectivista, onde o conhecimento é distribuído e a aprendizagem reside na capacidade de construir e navegar redes (Siemens, 2005) [2]. A ênfase desloca-se da posse do conhecimento para a capacidade de o aceder, avaliar e aplicar de forma crítica e criativa. Promove também uma cultura de autonomia e colaboração que redefine o próprio ato de aprender. Neste contexto, a educação deixa de ser um processo de transmissão unidirecional para se tornar numa experiência de co-construção do conhecimento.



A Lente da Complexidade: Emergência e Auto-organização na Aprendizagem

Para compreender verdadeiramente os ambientes de aprendizagem emergentes, é fundamental recorrer à Teoria da Complexidade. Esta teoria ajuda-nos a ver a educação não como um sistema mecânico e previsível, mas como um organismo vivo, dinâmico e em constante evolução. Dois conceitos são cruciais para esta compreensão:

Auto-organização: A Ordem que Emerge do Caos

A auto-organização refere-se à capacidade de um sistema de criar ordem e estrutura sem um controlo centralizado ou uma imposição externa. No contexto educativo, isto manifesta-se quando grupos de aprendizes definem organicamente as suas próprias regras de interação, os tópicos de interesse e os papéis de liderança, baseados na necessidade coletiva e não numa imposição curricular.


Um exemplo paradigmático desta dinâmica encontra-se nas comunidades de prática online, onde os membros se organizam naturalmente em torno de interesses comuns, criando hierarquias informais baseadas na expertise e na contribuição, em vez de títulos académicos ou posições institucionais. A aprendizagem torna-se assim um processo que emerge da interação social e da partilha de experiências, em vez de ser ditado por um currículo pré-definido.


Esta capacidade de auto-organização é particularmente evidente em plataformas como o Reddit ou o Stack Overflow, onde comunidades de milhões de utilizadores se auto-regulam, criam sistemas de reputação e desenvolvem normas de qualidade sem qualquer autoridade central. O conhecimento é validado pela comunidade, não por uma instituição, criando um sistema de aprendizagem verdadeiramente democrático e meritocrático.

Emergência: Quando o Todo Supera as Partes

A emergência é o fenómeno onde o todo se torna maior do que a soma das suas partes. Numa discussão online ou num projeto colaborativo, a solução ou o conhecimento gerado coletivamente é frequentemente mais sofisticado e inovador do que qualquer contribuição individual. O conhecimento "emerge" da colaboração, criando insights que nenhum participante individual poderia ter alcançado sozinho.


O pensamento complexo, como proposto por Morin, é essencial para reconhecer e valorizar estas propriedades emergentes, que são frequentemente imprevisíveis e não lineares [1]. Esta imprevisibilidade não é uma falha do sistema, mas sim a sua maior força, pois permite a criação de soluções verdadeiramente inovadoras e adaptadas aos contextos específicos.


Um exemplo notável desta emergência pode ser observado nos projetos de ciência cidadã, como o Galaxy Zoo ou o Foldit, onde milhares de voluntários sem formação científica formal contribuem para descobertas científicas significativas. A inteligência coletiva que emerge destas colaborações tem levado a avanços que equipas de investigadores especializados não conseguiram alcançar isoladamente.



A Rutura Paradigmática: De Recetor a Agente da Aprendizagem

A transição para ambientes de aprendizagem emergentes representa uma rutura fundamental com a "educação bancária" criticada por Paulo Freire, onde o conhecimento é "depositado" nos alunos como se fossem recipientes vazios [3]. A nova abordagem alinha-se com as visões de pedagogos que há muito defendem um papel mais ativo e crítico para o aprendiz.

Paulo Freire e a Pedagogia da Autonomia

Paulo Freire defendia que a educação deve ser um ato de libertação, capacitando os indivíduos para "lerem o mundo" e o transformarem. A sua "Pedagogia da Autonomia" (1996) constitui uma base filosófica sólida para estes novos ambientes [3]. Neles, o aluno é incentivado a trazer a sua bagagem cultural e as suas experiências vividas, tornando-se co-construtor do seu próprio saber.


"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção" (Freire, 1996, p. 47) [3].


Esta citação encapsula perfeitamente a filosofia subjacente aos ambientes de aprendizagem emergentes. O diálogo, a curiosidade epistemológica e o respeito pela autonomia do educando são elementos centrais, transformando a relação hierárquica professor-aluno numa parceria horizontal de descoberta mútua.


Nos ambientes digitais, esta filosofia manifesta-se através de plataformas que permitem aos alunos escolher os seus próprios percursos de aprendizagem, definir os seus objetivos e avaliar o seu próprio progresso. A tecnologia torna-se assim um instrumento de democratização do acesso ao conhecimento e de empoderamento dos aprendizes.

John Dewey e a Aprendizagem pela Experiência

John Dewey argumentava que a educação não é uma preparação para a vida; é a própria vida. Ele defendia uma aprendizagem ativa e experiencial, onde os alunos aprendem fazendo ("learning by doing") [4]. Esta filosofia encontra nos ambientes emergentes a sua materialização mais completa, especialmente através de tecnologias que permitem simulações, experimentação virtual e resolução de problemas reais.


Os ambientes emergentes, especialmente os que utilizam tecnologias como jogos digitais, realidade virtual ou simulações complexas, são a concretização da filosofia deweyiana. Eles permitem que os alunos resolvam problemas autênticos, testem hipóteses em ambientes seguros e reflitam sobre as suas ações, ligando a teoria à prática de forma significativa e contextualizada.


Um exemplo paradigmático desta abordagem são os serious games utilizados em medicina, onde estudantes podem praticar cirurgias complexas em ambientes virtuais, cometendo erros e aprendendo com eles sem qualquer risco para pacientes reais. Esta experiência imersiva proporciona uma aprendizagem profunda que seria impossível de alcançar através de métodos tradicionais.



Exemplos em Ação: Manifestações Práticas dos Ambientes Emergentes

Estes conceitos teóricos não são meras abstrações académicas. Eles manifestam-se em várias formas práticas que já estão a moldar profundamente a paisagem educacional contemporânea:


Tipo de Ambiente

Descrição

Características Emergentes

Rutura Paradigmática

MOOCs Conectivistas (cMOOCs)

Cursos online massivos baseados nos princípios do conectivismo, onde a aprendizagem emerge das conexões entre participantes

Auto-organização em grupos de estudo; emergência de lideranças informais; criação de conteúdo pelos próprios alunos

Democratização do acesso; professor como facilitador; conhecimento distribuído

Comunidades de Prática (CoP)

Grupos auto-organizados que partilham uma paixão ou profissão e aprendem através da interação regular

Desenvolvimento orgânico de expertise; sistemas de mentoria peer-to-peer; evolução contínua das práticas

Aprendizagem situada; validação pela comunidade; conhecimento tácito valorizado

Ambientes Pessoais de Aprendizagem (PLE)

Sistemas que capacitam os alunos a gerir a sua própria aprendizagem através de ferramentas digitais personalizadas

Curadoria individual de recursos; redes de aprendizagem personalizadas; reflexão metacognitiva

Autonomia total do aprendiz; percursos individualizados; responsabilidade partilhada

Gamificação e Realidade Aumentada

Utilização de mecânicas de jogo e tecnologias imersivas para criar experiências envolventes

Motivação intrínseca; feedback imediato; progressão adaptativa

Aprendizagem lúdica; erro como oportunidade; engagement emocional

Análise Aprofundada: O Caso dos MOOCs Conectivistas

Os MOOCs conectivistas (cMOOCs) representam talvez o exemplo mais puro de como os princípios da complexidade e da pedagogia crítica se podem materializar em ambientes digitais. Ao contrário dos xMOOCs tradicionais, que replicam o modelo transmissivo em formato digital, os cMOOCs são desenhados especificamente para promover a auto-organização e a emergência.


Num cMOOC típico, não existe um currículo rígido ou um conjunto predefinido de materiais obrigatórios. Em vez disso, os facilitadores (note-se que não são chamados "professores") fornecem um tema geral e algumas provocações iniciais. Os participantes são então encorajados a explorar o tema através das suas próprias lentes, partilhando recursos, criando conteúdo e estabelecendo conexões com outros participantes.


O conhecimento emerge destas interações de forma orgânica e imprevisível. Frequentemente, as discussões mais ricas e as aprendizagens mais significativas acontecem em espaços não oficiais - blogs pessoais, grupos do Facebook, conversas no Twitter - criados espontaneamente pelos próprios participantes. Esta descentralização do processo de aprendizagem é simultaneamente o maior desafio e a maior força dos cMOOCs.



Implicações e Desafios para o Futuro da Educação

A adoção generalizada de ambientes de aprendizagem emergentes não está isenta de desafios significativos. A transição de um paradigma educativo centenário para uma abordagem radicalmente diferente requer mudanças profundas não apenas nas tecnologias utilizadas, mas também nas mentalidades, nas estruturas institucionais e nas políticas educativas.

Desafios Institucionais

As instituições educativas tradicionais enfrentam o dilema de como integrar estes novos ambientes mantendo a sua credibilidade e relevância. A questão da avaliação e certificação torna-se particularmente complexa quando a aprendizagem é distribuída, emergente e frequentemente informal. Como validar conhecimentos que emergem de comunidades de prática ou de projetos colaborativos online?


Além disso, a formação de educadores representa um desafio monumental. A transição de um papel de "sábio no palco" para "guia ao lado" requer não apenas novas competências técnicas, mas uma transformação fundamental na identidade profissional dos educadores.

Oportunidades Transformadoras

Contudo, as oportunidades são igualmente significativas. Os ambientes de aprendizagem emergentes oferecem o potencial de personalizar verdadeiramente a educação, adaptando-se aos estilos de aprendizagem, interesses e necessidades individuais de cada aluno. Eles também prometem tornar a aprendizagem mais relevante e contextualizada, ligando diretamente o que se aprende com os desafios reais que os alunos enfrentam nas suas vidas pessoais e profissionais.


A capacidade de conectar aprendizes globalmente também abre possibilidades sem precedentes para a colaboração intercultural e para a resolução coletiva de problemas complexos que transcendem fronteiras nacionais e disciplinares.



Conclusão: Navegar o Futuro da Aprendizagem

Os ambientes de aprendizagem emergentes representam mais do que uma tendência tecnológica; eles assinalam uma evolução fundamental na nossa compreensão sobre o que é aprender e como a aprendizagem acontece. Ao analisá-los através das lentes da teoria da complexidade, percebemos que a sua força reside na capacidade de se auto-organizarem e de permitirem que o conhecimento emerja de forma orgânica e colaborativa.


Esta abordagem valida e concretiza as visões pedagógicas de pioneiros como John Dewey e Paulo Freire, que sempre defenderam uma educação experiencial, dialógica e centrada na autonomia do aprendiz. A convergência entre estas filosofias educativas humanistas e as possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais cria um momento único na história da educação.


A rutura com o modelo tradicional não é apenas uma opção, mas uma necessidade imperativa para preparar cidadãos capazes de navegar um mundo igualmente complexo e em constante mudança. Os exemplos práticos, desde os MOOCs conectivistas às comunidades de prática, demonstram que esta transformação já está em curso, redefinindo fundamentalmente os papéis de alunos e educadores.


O caminho a seguir não é substituir o humano pela tecnologia, mas usar a tecnologia para potenciar conexões humanas mais ricas e significativas. O futuro da educação pertence a estes ecossistemas dinâmicos, onde aprender não é um destino final com um currículo fixo, mas uma viagem contínua de descoberta, conexão e criação coletiva de conhecimento.


O desafio para todos nós — educadores, alunos, instituições e decisores políticos — é abraçar esta incerteza criativa, cultivar a curiosidade epistemológica e construir ativamente os espaços onde a aprendizagem possa, verdadeiramente, emergir. Só assim poderemos preparar as gerações futuras para os desafios complexos e imprevisíveis que as aguardam.



Referências

[1] Morin, E. (1990). Introduction à la pensée complexe. ESF éditeur.


[2] Siemens, G. (2005). Connectivism: A learning theory for the digital age. International Journal of Instructional Technology and Distance Learning, 2(1), 3-10.


[3] Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra.


[4] Dewey, J. (1959). Democracia e Educação: uma introdução à filosofia da educação. Companhia Editora Nacional.



Especialista em Ambientes de Aprendizagem Emergentes